Trecho do relatório Vigilância das Comunicações pelo Estado Brasileiro.
VIGILÂNCIA SEM TRANSPARÊNCIA PARA FINS DE INTELIGÊNCIA E SEGURANÇA NACIONAL
A Lei nº 9.883/99 instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), que integra ações de planejamento e execução de tarefas de inteligência no Brasil, com a finalidade de fornecer à Presidência da República subsídios nos assuntos de interesse nacional, pela obtenção, análise e disseminação de conhecimentos relevantes à ação e processo decisório governamentais e garantia da segurança da sociedade e do Estado (art. 1º). Compõem o Sisbin todos os órgãos da Administração Pública Federal que produzem conhecimentos de interesse das atividades de inteligência (art. 2º), especificadas no art. 4º do Decreto nº 4.376/02, entre eles a Casa Civil e o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, Ministérios da Justiça, da Defesa, das Relações Exteriores, da Saúde, da Fazenda, da Ciência e Tecnologia, entre outros, e órgãos a eles relacionados como a Polícia Federal, o Departamento Penitenciário Nacional, o Departamento de Cooperação Jurídica Internacional, a Receita Federal e o Banco Central. Órgão central constitui a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), a quem compete planejar, executar, supervisionar e controlar as atividades de inteligência.
A ABIN pode ter acesso a dados obtidos por outras autoridades por meio da Sisbin. O art. 6, inciso V do Decreto 4.376/02, que regulamentou o funcionamento do Sisbin, dispõe que cabe aos órgãos desse sistema intercambiar e fornecer informações necessárias à produção de conhecimentos para as atividades de inteligência. O art. 6-A do mesmo Decreto, incluído em 2008, previu que a ABIN poderá ter representantes de órgãos do Sisbin junto a seu Departamento de Integração do Sisbin, os quais “poderão acessar, por meio eletrônico, as bases de dados de seus órgãos de origem, respeitadas as normas e limites de cada instituição e as normas legais pertinentes à segurança, ao sigilo profissional e à salvaguarda de assuntos sigilosos” (§ 4º). Com isso, é possível à ABIN ter acesso a informações e dados a princípio protegidas pelo sigilo das comunicações, o que amplia as possibilidades de vigilância do Estado brasileiro. A despeito de não poder realizar diretamente interceptações, por exemplo, por não ter sido contemplado o fim de inteligência na Constituição nem na Lei das Interceptações35, o acesso a dados por meio de cooperação não estaria descartado. Caso revelado pelo jornal Folha de São Paulo em 2008 revela esse tipo de acesso indireto da ABIN a comunicações interceptadas disponíveis no sistema Guardião da Polícia Federal.36 Caso a Receita Federal disponha de documentos fiscais de empresas de telefonia em seus bancos de dados, à ABIN também estaria aberta a possibilidade de ter acesso a registros telefônicos de usuários.
Pela Lei 9.883/99, o Sisbin, em geral, e a ABIN, em particular, estão obrigados a respeitar direitos e garantias constitucionais em sua atuação (art. 1º, § 1º e art. 3º, parágrafo único), que é controlada e fiscalizada externamente pela Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência, comissão permanente do Congresso Nacional (art. 6º). A falta de transparência sobre a forma como se dá a cooperação pelo Sisbin impede a avaliação rigorosa da ABIN em termos de vigilância, e cobre a sua atuação de obscuridade e incertezas.